sábado, dezembro 30, 2006



Vô,


Não sei como aceitar com resignação ver você que eu tanto amo escolher se entregar, enfraquecer a cada dia na minha frente, perder as vontades todas, te ver se desprendendo da matéria , perdendo o interesse por comer, pela natureza, pela vida, perdendo o brilho nos olhos. Você que sempre foi tão forte, que me ensinou que devemos deixar o corpo reagir sozinho pra criar imunidade mesmo sendo médico, amante da natureza, das artes, do belo, da poesia, uma pessoa admirável, um médico excepcional e uma das almas mais sensíveis que já conheci, que viveu sempre em imensa harmonia com tudo e todos à sua volta. Você me ensinou a amar a natureza, contemplá-la e agradecer simplesmente por ter o ar que respiro, sentimento que sempre foi nato seu, esse da gratidão pela vida. Devo respeitar sua vontade, Vô? O que eu posso agora é muito pouco, é te dar amor, carinho ao máximo e procurar não chorar na sua frente. Como se supera tudo isso? Como pode ser natural ver a tristeza da minha vó ao olhar pra você? Como aceitar a morte, que é algo inevitável com alguma serenidade? É muito difícil e de repente compartilho com você, meu vozinho que tanto amo, essa noção de que o que importa não é acumular coisas, nada...o que devemos é desfrutar, contemplar, respeitar o ritmo das coisas com desprendimento e sabedoria como você sempre fez...você sempre foi um exemplo pra mim e continua sendo até nessa sua forma tão sábia, corajosa e bonita de encarar essa etapa dolorosa. Te amo com todo o meu ser, porque você é parte de mim para sempre, herdei de você tantas coisas e sou grata a Deus todos os dias por ter você e a vovó como avós, como parte de quem eu sou, do meu sangue e da minha estrutura. Tenho muito orgulho disso. Estarei aqui te amparando sempre, sempre, seja qual for sua decisão, por mais que me doa tanto, seja qual for sua vontade. Te amo, vô.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

BOAS FESTAS? O QUE DEVEMOS FESTEJAR?

Mau humor total com Natal, com "festas" ! Que engodo pra favorecer o comércio, mas aí pelo menos justifica que alguém tenha motivo pra festejar. Tem que ter data pra se ter compaixão, generosidade, preocupação com o rumo que sua vida está tomando, gratidão por estar respirando e com saúde, contemplar, meditar, reavaliar, fé instantânea, esperança, reconciliação, perdão, humanidade, valores? Essa falta de consciência generalizada da qual uma vez por ano todos parecem repentinamente despertar por alguns momentos, me revolta. Porque é falsa, é impulsionada pela mídia, pela compulsão ao consumo. Quem não tem mais família ou nunca teve, tá sem dinheiro ou nunca teve, se sente pior nessa época do ano do que no resto do ano inteiro. Então para estes essa data é um lembrete: " Olha, você é só, largado no mundo e infeliz, vive à margem da sociedade, porque sequer tem comida na mesa e um presentinho pra abrir ao pé de uma árvore artificial montada numa sala-de-estar...ah você não tem sala-de-estar? Sinto muito." Artificial, como a árvore os adereços todos de natal. É assim que me soa isso tudo. Pode soar amargurado, mas não é pessoal , tenho família, presentinho todo ano, mas a maioria não tem e não precisamos ir longe pra enxergar isso, é o ano todo, o tempo todo e não só nesta data. Principalmente nesse país em que vivemos, em que o descaso e a falta da vergonha por parte dos governantes aumenta a cada dia descaradamente, onde a maioria não tem quase nada, uns tem pouco e uns poucos privilegiados tem muito simplesmente porque roubam e roubam com o conhecimento geral da nação, coisa que virou hábito neste país.
Um exemplo muito próximo a mim e uma vítima do tal descaso do governo é Meu avô. Ele foi médico anestesista do estado a vida toda, passou a vida servindo ao próximo e sendo um operário competentíssimo dentro do oficio que escolheu. Sendo contribuinte, ele tem direito ao plano de saúde GEAP, que é um plano de previdência de saúde oferecido aos servidores do estado pelos anos de serviço e contribuição. Acontece que aos 88 anos, e pela primeira vez necessitando realmente de tratamento médico, pois se encontra com um problema cardíaco sério necessitando de cirurgia urgente e está desamparado pelo mesmo sistema do governo que deveria ampará-lo num momento de sua vida como este. No último dia 25 de Dezembro, Natal, ele teve um mal estar e foi parar na emergência de um hospital, pois por incompetência deste sistema de previdência do governo ele não está conseguindo vaga para operar e ter o tratamento devido. Foi este o presente de Natal para a minha família, para o meu avô, um presente oferecido pelo nosso governo por seus anos de dedicação e trabalho, oferecido pelo nosso país, pelo lugar em que eu deveria ter orgulho de ter nascido e viver. Tenho sim, muita vergonha e revolta de ser brasileira e de morar aqui cada vez mais e sinto um enorme desânimo, pois não vejo perspectiva de melhora nem para a situação do meu avô , nem para qualquer outra pessoa cuja vida dependa de um sistema governamental assassino e ladrão como o nosso. Não há esperança de se ter o mínimo de qualidade de vida para quem depende de algum sistema público para estudar, para ter bom atendimento em hospital público, saneamento básico, enfim dignidade. Já que o dinheiro dos impostos altos que pagamos são aplicados nas contas particulares dos nossos governantes e não onde deve ser. Ainda fala-se em aumento dos saalários dos parlametares sem o menor pudor, mas por hora, voltemos ao tema inicial...
Se passou o Natal, e esta data simbolizou um nascimento, se reveillon é o recomeço de um ano, uma nova etapa, deveríamos recomeçar mudando nosso modo de pensar, nos desacomodando, nos conscientizando que através de pequenos gestos, como votar, muda-se uma nação, que através de pequenas reivindicações, diminui-se a impunidade e mudando nossos pensamentos que são o que geram nossos atos, com o tempo mudam-se velhos hábitos e já que são os hábitos que dão identidade para uma cultura, mudaria a ética de uma região e como somos todos interligados mudaria o quadro geral dessa nação e até do mundo. Havendo mudança de postura no dia-a-dia, preocupação com o próximo, geraria maior ética espontânea o ano todo cada vez mais e não só uma vez por ano, sob o pretexto de uma data comercial. É mais simples do que soa, é mudarmos o trato com o próximo, o discurso, agirmos mais e criticarmos menos, termos gentileza, paciência com quem tem mais idade afinal, com sorte, todos chegaremos lá...enfim coisas que soam piegas, mas são da máxima urgência para que possamos viver com dignidade nesse país. Não podemos admitir tanto descaso. Precisamos aprender com cada cultura o seu melhor: paciência com os orientais, "joie du vivre" com os franceses, conhecermos nossa constituição melhor para reivindicarmos nossos direitos como cidadãos como os americanos sabem tão bem fazer, para que enfim possamos nos orgulhar de sermos brasileiros. O Natal já passou, mas que o ano novo possa nos sugerir mudar esses velhos hábitos, mesmo que com pequenas ações diárias, até que como células, possamos contagiar todas as outras e a nação inteira seja imbuída de um recomeço melhor. No dia em que isso acontecer, aí sim, teremos um bom motivo pra festejar.